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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Mitologia Ocidental - Parte II

A IDADE DOS HERÓIS

No artigo anterior sobre Mitologia Ocidental, baseado no livro “As Máscaras de Deus - Vol. 3 - Mitologia Ocidental”, de Joseph Campbell, vimos que a história de abertura da religião judaica (início do Gênesis bíblico) possui muitas semelhanças com antigos mitos sumérios e, de forma impressionante, também está presente em culturas agrícolas dos trópicos como na África, Índia, Sudeste Asiático, Melanésia, Polinésia, México, Peru e até no Brasil. As principais características destes mitos e ritos são: “1. a serpente; 2. a mulher; 3. o assassinato da serpente, da mulher ou de ambas; 4. o crescimento de plantas comestíveis a partir da cabeça ou do corpo enterrado da vítima; 5. o surgimento da morte e da procriação nessa mesma época; 6. o término, com isso, da era mitológica” [1].

Campbell sugere que o conto judaico, bem como os demais mitos semelhantes, seria uma forma de sobrepujar as religiões predominantes anteriormente, que veneravam a serpente, a mulher e a mãe Terra. Agora, estes elementos são amaldiçoados pela doutrina da Queda. Outro conto interessante que pode conter traços de dominação cultural é a história de Caim e Abel. Aqui há um pastor de ovelhas que obtém o favor de Deus, enquanto um agricultor não. O agricultor, então, mata o pastor e recebe como maldição uma vida errante sobre a Terra. Os semitas, de onde se originaram os hebreus, eram pastores, e os povos conquistados de Canaã eram agricultores. Logo, é razoável um conto que exemplifique a superioridade do novo povo dominante. É interessante notar que contos semelhantes - da disputa entre um agricultor e um pastor - podem ser encontrados em diversas mitologias antigas, porém, em culturas agrícolas, o agricultor é o herói e o pastor, o vilão. Mas, sendo literal ou não, a história de Caim e Abel é, na verdade, uma profecia mostrando que o sangue do justo sempre será derramado pelo invejoso e ímpio. O cumprimento máximo desta previsão ocorre em Jesus Cristo, morto pelo homens, oferecendo uma oferta melhor a Deus: a sua própria vida.

Acerca de Moisés, um fato curioso é que o nome deste profeta não é de origem hebraica como muitos imaginam. Ele foi adaptado para o hebraico. Moisés é um nome de origem egípcia e significa “criança”. Vários faráos tiveram nomes com a mesma origem, porém acompanhados de nomes de deuses egípcios, como Ramsés (Ra-moisés), Tutmósis (Tut-moisés) e Amósis (A-moisés). É provável que o povo hebreu, após viver várias gerações como escravos no Egito, tenha absorvido muito de sua cultura e crenças. Além disso, existe uma suposição de que Moisés tenha sido fortemente influenciado pelos conceitos de um faraó chamado Akenaton. Durante seu reinado, Akenaton implantou um culto monoteísta no Império, mas morreu cedo e seus ideais religiosos revolucionários foram abandonados pelo seu sucessor, que entregou novamente o Egito ao politeísmo. Moisés, então, teria juntado este legado com as tradições orais hebraicas para libertar o povo de Israel da escravidão e instituir as bases da fé judaica.

Enquanto isso, na Grécia, as transformações mitológicas gregas ocorridas neste período - cerca de 1.000 a. C. - , foram fundamentais na construção do pensamento racional, humanista e individualista que predominou durante muitos séculos, influenciando de forma assustadora todo o ocidente e parte do oriente e resultando no que somos hoje como sociedade. Por exemplo, no conto da Odisséia de Homero, observa-se a criação do herói cuja realização individual sobrepuja a vontade coletiva. Enquanto os demais integrantes do grupo de Odisseu sempre falhavam e iam morrendo durante a jornada, o herói toma as decisões corretas e consegue retornar são e salvo. Em diversas situações, a libertinagem, a curiosidade e empolgação coletivas geram problemas diversos que somente são solucionados pelas habilidades do herói. Mas é conveniente assinalar que, na situação em que Odisseu se autodenomina “Ninguém” e fere o Cíclope - causando indiferença nos amigos do monstro ao tomarem conhecimento que “ninguém” o havia ferido - constata-se que, apesar do egocentrismo aparente do herói, há provações em que somente a anulação do ego, do nome e de fama pessoal é capaz de proporcionar vitória em uma esfera de forças transpessoais incontroláveis do subconciente.

Os gregos então, após vitórias militares surpreendentes contra os numerosos persas, passaram por um momento de amadurecimento político jamais visto até o momento. “Eles sentiam-se orgulhosos de ser homens em vez de escravos. De ser os únicos no mundo que tinham aprendido a viver não como servos de um deus (no sentido político, não individual), obedientes a alguma lei divina invocada, nem como funcionários ajustados a alguma ordem cósmica em eterna rotação; mas como homens com discernimento racional, cujas leis eram votadas, não ‘ouvidas’; cujas artes celebravam a humanidade, não a divindade (pois mesmo os deuses haviam agora se tornado homens) e, consequentemente, em cujas ciências a verdade e não a fantasia começava a aparecer. A constatação de uma ordem cósmica não era interpretada como um modelo para a ordem humana, mas como seu marco ou limite. Tampouco a sociedade era para ser santificada acima dos homens que a constituíam.” [1] [com notas minhas em itálico].

Nesta época, a ascenção das idéias filosóficas na Grécia sobrepujaram os determinismos religiosos. Muitos filósofos buscavam explicar a origem da vida de diversas formas. Um termo grego muito utilizado por todos eles para explicar o conceito de Deus, ou o Infinito ou a Essência de tudo era ἀρχή (que significa “princípio”). Alguns diziam que o ἀρχή era a água, outros o entendiam como o éter. Pitágoras, por exemplo, tinha um conceito diferente. Para ele, o ἀρχή eram os números, pelos quais a arte, a psicologia, a filosofia, o ritual, a matemática, a música e os esportes seriam reconhecidos como aspectos de uma única ciência da harmonia. “Portanto, finalmente, o conhecimento, e não o êxtase, tornou-se o meio de realização. E os antigos modos do mito e da arte ritualística uniu-se harmoniosamente a aventura alvorecente da ciência grega, para uma nova vida” [1]. Neste momento, a razão e a ciência tornaram-se os novos deuses gregos.

Não é em vão que o apóstolo Paulo fala "Porque os judeus pedem sinais, e os gregos buscam sabedoria; (...)", em uma alusão à insaciável sede grega por conhecimento e explicação racionais. Paulo conclui seu pensamento dizendo  "(...) mas nós pregamos a Cristo crucificado, certamente escândalo para os judeus, e loucura para os gentios", exemplificando assim que o âmago do Evangelho, a morte de Cristo pelos pecados da humanidade, não se explica racionalmente.

No próximo artigo veremos como a ciência grega envoluiu de maneira assustadora no decorrer dos últimos 500 anos a.C. a ponto de ser descoberto, nesta época, que a Terra era redonda e girava em torno do Sol, além de sua circunferência ter sido calculada com altíssima precisão. Veremos também como o conceito de ἀρχή (princípio divino) se transformou no amor platônico que, juntamente com a doutrina de um profeta persa chamado Zoroastro, influenciou e determinou os ensinamentos judaico e cristão posteriores.

Referências:
[1] As Máscaras de Deus - Vol. 3 - Mitologia Ocidental

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E você, o que acha sobre o início de Gênesis? Acha que a história de Caim e Abel é literal ou simbólica? Ou talvez tenha de fato acontecido, mas de outra forma? Acredita que a filosofia e ciência grega influenciaram a nossa sociedade atual? Comente abaixo:

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Mitologia Ocidental - Parte I

Introdução

Tendo em vista a necessidade de se conhecer as origens religiosas e culturais que envolvem a nossa sociedade ocidental atual, venho através deste e em artigos futuros, trazer à luz um conhecimento profundo e interessantíssimo que nem sempre é muito abordado em aulas de história ou nas igrejas. Baseado no livro “As Máscaras de Deus - Vol. 3 - Mitologia Ocidental”, de Joseph Campbell, pretendo esclarecer importantes aspectos históricos que moldaram este lado do mundo em seu racionalismo e individualismo excessivos, bem como explicar de onde nasceram as bases doutrinárias do judaísmo, cristianismo e islamismo.



PARTE 1 - A Idade da deusa

Existe uma teoria, aceita por muitos paleontólogos e arqueólogos - mas também muito contestada - de que há alguns milhares de anos antes de Moisés e até mesmo de Abraão, houve na Terra um período cujas crenças não eram dominadas por fortes deuses masculinos e nem os homens regiam a ordem social. Na transição pré-histórica entre as eras paleolítica e neolítica (entre dez e quatro mil anos a.C.) havia a chamada Era Matriarcal na região que posteriormente tornara-se a antiga Suméria, a civilização mais antiga de que se tem um conhecimento mais concreto. Desta era remotíssima, evidências arqueológicas mostram que os deuses predominantes eram representados pela figura feminina, já que a mulher era a “geradora de vida” pelo parto. Nesta época, em muitos lugares, as mulheres também exerciam um papel importante na organização social.

Fig. 1: Selo Sumério: a árvore da vida e do conhecimento,
a serpente, a mulher e o deus eternamente morto e ressuscitado
Tendo esta herança matriarcal, muitas crenças da Idade do Bronze (cerca de 3.000 a.C.) tinham como símbolos comuns a mulher como geradora de vida, bem como a serpente e a lua como divindades que representavam os ciclos de nascimento, crescimento, morte e ressurreição. A serpente por causa de sua capacidade de renovar sua pele, “morrendo e ressucitando” e a lua por suas fases, pelas quais se apaga (lua nova) e “ressucita” (minguante e cheia). Em muitas imagens encontradas, pode-se observar também a crença em um jardim de perfeição, onde há uma árvore da vida eterna e guardiões em seus limites (como pode ser observado na figura 1). Resumindo, os elementos essenciais de muitas crenças antigas eram: um jardim perfeito, mulher, serpente, guardião do jardim, fruto da árvore da vida eterna. Qualquer semelhança com o Jardim do Éden bíblico, talvez não seja mera coincidência.

Com o passar do tempo, uma sucessão de mudanças culturais e sociais nessas civilizações passaram a transformar suas crenças. Pastores nômades árias do Norte e semitas do Sul, passaram a dominar e invadir de modo violento os veneráveis locais de culto do mundo antigo, fazendo com que o racionalismo e força bruta - características masculinas – tomassem lugar da intuitividade feminina, dominante enquanto a humanidade adorava a deusa mãe Terra e vivia principalmente da colheita frutífera. Assim, “contra esse símbolo do poder imortal encontramos o princípio guerreiro da grande façanha do indivíduo que arremessou seu raio, fazendo ceder a antiga ordem de crença, bem como de civilização” [1]. No Ocidente, o princípio do livre-arbítrio, com sua carga moral de responsabilidade individual, estabelece a primeira característica distintiva da mitologia ocidental. Observa-se agora, oposta à ordem matriarcal de sociedade e culto, a ordem Patriarcal, “marcada pelo ardor da eloquência justa e pela fúria do fogo e da espada” [1].

Na ordem Patriarcal, os deuses masculinos passam a sobrepujar os deuses femininos. Heróis do céu passam a pisar nas serpentes e monstros da Terra. “Quer pensemos nas vitórias de Zeus e Apolo, Teseu e Perseu, Jasão e os demais, sobre os dragões da Idade do Ouro, ou nos voltemos para a de Jeová sobre o Leviatã, a lição é a mesma. A de uma força autopropulsora maior que a do destino de qualquer serpente terrena. (…) Todas são, acima de tudo, um protesto contra a adoração da Terra e os daimones da fertilidade da Terra” [1].

O ponto de vista Patriarcal veio para separar os pares de opostos – macho e fêmea, vida e morte, verdadeiro e falso, bem e mal – como se fossem absolutos em si mesmos e não apenas aspectos diferentes do todo, como se acreditava antes. Porém, apesar do Patriarcado ter dominado totalmente as formas de culto do Ocidente, resquícios do Matriarcado foram se arrastando ao longo dos séculos, no chamado “mito da mãe do deus morto e ressuscitado”. Tendo diversas representações locais desde 5500 a.C., esta deusa tem “sobrevivido” nas crenças de diversos povos, seja como Mãe dos deuses pelos frígios, Minerva pelos atenienses, Vênus pelos ciprianos, Diana pelos cretenses, Prosépina pelos sicilianos e Ceres pelos nativos de Elêusis. Para alguns, Juno, para outros, Belona, Hécate ou Ramnúsia. Mas seu nome mais conhecido na antiguidade era Rainha Ísis e na atualidade, Virgem Maria.

A evolução da ordem Patriarcal culminou também na separação impressionante das mentalidades Ocidental e Oriental. “No espírito europeu a força estruturadora nutre-se da longa formação de suas raças nas atividades da caça e, consequentemente, das virtudes do julgamento individual e da excelência independente. Ao contrário, no mais jovem porém culturalmente muito mais complexo Oriente Próximo, as virtudes da vida grupal e a submissão à autoridade foram os ideais incutidos no indivíduo que, em tal mundo, não é na verdade nenhum indivíduo – no sentido europeu – mas o componente de um grupo. E por toda a história conturbada da interação desses dois mundos culturais em seus movimentos pendulares alternados, o conflito insolúvel dos princípios do indivíduo paleolítico e do santificado grupo neolítico criou e manteve até hoje a situação tanto de reciprocidade criativa quanto de menosprezo mútuo” [1].

Um fator interessante relacionado às mitologias primitivas, é o quanto o judaísmo e o cristianismo foram por elas influenciados. Segue abaixo alguns exemplos desta possível influência:
  • Este relato sobre a ilha-paraíso suméria, Dilmun, no meio do mar primevo, de 2050 a.C., assemelha-se à profecia bíblica sobre o reinado do Messias na Terra.
    • “O leão não mata, o lobo não devora o cordeiro... A mulher de idade não diz: sou uma mulher de idade, O homem de idade não diz: sou um homem de idade.” (Relato sumério)
    • "E morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará, e o bezerro, e o filho de leão e o animal cevado andarão juntos, e um menino pequeno os guiará” (Isaías 11:6)
  • Descrição de um antigo mito sumério, com seus paralelos bíblicos:
    • “O céu (An) e a terra (Ki) eram no princípio uma única montanha indivisa (Anki), da qual a parte inferior, a terra, era feminina, e a superior, o céu, masculina. Mas os dois foram divididos (como Adão, dividido em Adão e Eva) por seu filho Enlil (na Bíblia, pelo criador Jeová), quando surgiu o mundo da temporalidade (como ocorreu quando Eva comeu a maçã).” [1]
  • Na mitologia da antiga babilônia, onde o senhor Marduk, filho do grande deus Ea, derrota a monstruosa Tiamat e seus demônios, tem-se paralelos incríveis com a doutrina da criação bíblica:
    • O nome da mãe-monstro babilônica ti'amat, está etimologicamente relacionado ao termo hebraico tehom, “o profundo”, do segundo versículo de Gênesis. Assim como o vento de Anu (no conto mitológico) soprou sobre o Abismo, e o de Marduk sobre a face de Tiamat, também no Gênesis 1:2, “um vento [ou espírito] de Elohim pairou [ou soprou] sobre as águas”. Por outro lado, quando Marduk estendeu a metade superior do corpo materno como um teto, com as águas do céu sobre este teto, também em Gênesis 1:17, “Elohim fez o firmamento, que separou as águas que estão sob o firmamento das águas que estão acima”; e ainda, como Ea venceu Apsu e Marduk venceu Tiamat, também Jeová venceu os monstros marinhos Raab (Jó 26:12,13) e Leviatã (Jó 41; Salmo 74:14).
Conclusão

Neste primeiro artigo vimos as transformações nas civilizações primitivas que supostamente influenciaram a origem de crenças ocidentais posteriores. É muito interessante saber que o antigo e difundido mito do "deus nascido de uma virgem, eternamente morto e ressuscitado" está presente em diversas crenças da antiguidade e não somente no Cristianismo.

Referências:
[1] As Máscaras de Deus - Vol. 3 - Mitologia Ocidental

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E você, acredita que houve uma era Matriarcal? Acredita que algumas histórias da Bíblia podem ser evoluções de antigas crenças sumérias, ou não? Deixe abaixo seus comentários:

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