"Queremos realmente depender de uma fé que não suporta qualquer contestação? Não é melhor descobrir os pontos fracos na edificação de uma casa antes de a comprarmos? Se possível, poderemos consertá-los, do contrário não compraremos a casa. Sócrates afirmou que a vida que não se deixa examinar não deve ser vivida. A fé que não é posta à prova, merece ser vivida?" - Albert A. Bell Jr.
Título Original: Exploring the New Testament World
Autor: Albert A. Bell Jr.
Para muitas pessoas a Bíblia é um livro que contém a suprema revelação divina em cada letra e não deve ser contestada. Porém, não somos robôs ou papagaios para repetir fórmulas religiosas sem entender "porque" ou "como" os fatos históricos geradores da fé cristã de fato ocorreram.
Em Explorando o mundo do Novo Testamento, o historiador e doutor Albert Bell Jr. faz uma pesquisa exaustiva na história do mundo greco-romano do primeiro século, traduzindo para o entendimento moderno como viviam as pessoas daquele tempo nos mínimos detalhes. Sua análise vai desde uma visão geral da política, legislação e cultura do Império Romano, até os pormenores costumes morais e sociais daquele povo, passando pelas infindáveis diferenças e discussões filosófico-religiosas herdadas do Império Grego. E principalmente, como os judeus, Jesus e os primeiros cristãos viviam em meio a toda essa diversidade cultural.
O autor mostra-se muito gabaritado para trazer à luz muitas questões intrigantes para os que estudam e contestam a Bíblia, com excelentes fundamentos históricos. Contestar a Bíblia nem sempre é sinônimo de falta de fé, mas pode ser uma demonstração de seriedade na busca da verdade. Enquanto que a aceitação cega dos fatos bíblicos pode constituir-se displicência e preguiça, e não alta piedade. Conhecer a fundo a história, geografia, costumes e cultura dos tempos bíblicos é fundamental para um entendimento correto do que está ali escrito.
Dentre os muitos assuntos e curiosidades mostradas no livro, fiz abaixo um resumo de alguns temas interessantes descritos na obra. Confira:
Influência grega na cultura judaico-cristã
Os judeus, depois de voltarem da diáspora babilônica (iniciada em 586 a.C.), trouxeram para Isreal muitos gregos, juntamente com sua cultura e filosofia. Estes se instalaram principalmente na Galileia, onde Jesus cresceu, segundo os Evangelhos. Por isso, muitos judeus de outras regiões desprezavam a Jesus, pois consideravam os galileus um povo misturado e impuro. Mateus descreve a região como "Galileia dos gentios" (Mt. 4:15).
Platão |
Prática Penal Romana
A leis romanas não exerciam a detenção como punição, mas somente durante o período em que o réu aguardava o julgamento. Delitos menores resultavam em multas ou açoites e para delitos maiores o condenado era levado ao exílio ou a trabalhar em minas e pedreiras. Vários tipos de crimes, desde calúnia ao assassinato, levavam o criminoso à pena de morte.
Cidadãos romanos tinham vários benefícios penais, dentre eles o de não receber punição física de nenhuma espécie antes de ser julgado. Paulo reclama com os carcereiros quando foi preso: "Açoitaram-nos publicamente e, sem sermos condenados, sendo homens romanos(...)" (At. 16:37). As autoridades ao ouvirem isso, ficaram com muito medo, pois tinham violado a lei romana. Mais tarde, em outra situação de prisão, enquanto Paulo aguardava julgamento (At. 28:16), ele não ficou numa cela solitária acorrentado, como muitos que gostam de "aumentar" os sofrimentos do apóstolo acreditam. Ele ficava em uma prisão domiciliar, vivendo normalmente sob vigilância, pregando o evangelho e recebendo visitas.
Cristianismo e os cultos mistérios
Entre os cultos religiosos greco-romanos do primeiro século estão os cultos secretos, repletos de rituais obscuros onde somente os iniciados podiam participar. O culto ao deus Mitra, por exemplo, consistia em reuniões fechadas a homens, normalmente em cavernas, onde o iniciante, convidado pelos demais, passava por um ritual de iniciação em que era banhado com sangue de touro e participava de uma refeição comunitária.
Imagem de Mitra degolando um touro |
Muitos dos participantes destes cultos foram atraídos pelo cristianismo, pois os ritos cristãos tinham semelhanças com os ritos a Mitra. O batismo cristão seria uma "iniciação" e as verdades reveladas do evangelho eram "mistérios", compreendidos somente pelos iniciados. O partir do pão também era uma prática comum nas reuniões em ambas as crenças. As igrejas antigas possuem criptas subterrâneas que evocam os templos mitraícos. A fraternidade e o espírito democrático das primeiras comunidades cristãs se assemelham muito ao mitraísmo
Templo mitraico |
Não se sabe exatamente o quanto o mitraísmo influenciou os primeiros cristãos e o quanto os primeiros cristãos se aproveitaram destas semelhanças para aumentar a aceitabilidade do evangelho pelos pagãos. Paulo, por exemplo, utilizou uma linguagem e alegorias comuns aos praticantes do mitraísmo, como o termo grego misterion, usado 20 vezes por ele na Bíblia, para se referir aos "mistérios de Cristo" (p. ex. I Co 15:51). Porém, a origem do termo, na época, remetia diretamente a estes cultos secretos pagãos.
Origem do Batismo
Antes de Cristo, muitos gentios (não-judeus) simpatizavam com a fé judaica e se convertiam a esta religião. Para tal, as mulheres gentias deveriam passar por um banho inicial chamado miqva'ot que pode ter dado origem ao ritual cristão do batismo. Os homens, por sua vez, precisavam se circuncidar, o que gerava uma certa repulsa. O cristianismo, mais tarde, tornou-se uma opção mais favorável para que estes gentios pudessem adorar ao Deus verdadeiro sem passar pela cirurgia (que não tinha anestesia!).
Desenho de peixe como símbolo cristão
Símbolo do peixe no marco das portas dos cirstãos |
No tempo em que o Império Romano começou a perseguir os cristãos com mais violência (época de Calígula e Nero), o desenho de um peixe era frequentemente usado como um código secreto, no marco da porta, para indicar que naquela casa haviam cristãos. No grego, a palavra peixe era pronunciada como ictus , sendo soletrada com as letras jota, chi, teta, ipsilon e sigma, que eram usadas como acróstico para Jesus Cristos Teo Uios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador).
Considerações finais
Analisando as questões e curiosidades citadas, conclui-se que um estudo aprofundado acerca da história e cultura do primeiro século é fundamental para entender o que aconteceu realmente naquela época. O fato de a filosofia grega e o mitraísmo terem influenciado os primeiros cristãos nos mostra que a revelação da verdade divina é multicultural.
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Obs: muitos tem me perguntado onde encontram este livro. Infelizmente ele está esgotado no Brasil.