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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Explorando o mundo do Novo Testamento


"Queremos realmente depender de uma fé que não suporta qualquer contestação? Não é melhor descobrir os pontos fracos na edificação de uma casa antes de a comprarmos? Se possível, poderemos consertá-los, do contrário não compraremos a casa. Sócrates afirmou que a vida que não se deixa examinar não deve ser vivida. A fé que não é posta à prova, merece ser vivida?" Albert A. Bell Jr.


Título Original: Exploring the New Testament World
Autor: Albert A. Bell Jr.


Para muitas pessoas a Bíblia é um livro que contém a suprema revelação divina em cada letra e não deve ser contestada. Porém, não somos robôs ou papagaios para repetir fórmulas religiosas sem entender "porque" ou "como" os fatos históricos geradores da fé cristã de fato ocorreram.

Em Explorando o mundo do Novo Testamento, o historiador e doutor Albert Bell Jr. faz uma pesquisa exaustiva na história do mundo greco-romano do primeiro século, traduzindo para o entendimento moderno como viviam as pessoas daquele tempo nos mínimos detalhes. Sua análise vai desde uma visão geral da política, legislação e cultura do Império Romano, até os pormenores costumes morais e sociais daquele povo, passando pelas infindáveis diferenças e discussões filosófico-religiosas herdadas do Império Grego. E principalmente, como os judeus, Jesus e os primeiros cristãos viviam em meio a toda essa diversidade cultural.

O autor mostra-se muito gabaritado para trazer à luz muitas questões intrigantes para os que estudam e contestam a Bíblia, com excelentes fundamentos históricos. Contestar a Bíblia nem sempre é sinônimo de falta de fé, mas pode ser uma demonstração de seriedade na busca da verdade. Enquanto que  a aceitação cega dos fatos bíblicos pode constituir-se displicência e preguiça, e não alta piedade. Conhecer a fundo a história, geografia, costumes e cultura dos tempos bíblicos é fundamental para um entendimento correto do que está ali escrito.

Dentre os muitos assuntos e curiosidades mostradas no livro, fiz abaixo um resumo de alguns temas interessantes descritos na obra. Confira:

Influência grega na cultura judaico-cristã

Os judeus, depois de voltarem da diáspora babilônica (iniciada em 586 a.C.), trouxeram para Isreal muitos gregos, juntamente com sua cultura e filosofia. Estes se instalaram principalmente na Galileia, onde Jesus cresceu, segundo os Evangelhos. Por isso, muitos judeus de outras regiões desprezavam a Jesus, pois consideravam os galileus um povo misturado e impuro. Mateus descreve a região como "Galileia dos gentios" (Mt. 4:15).

Platão
Certamente que Jesus cresceu em contato com estes estrangeiros e recebeu influência da filosofia grega, bem como Paulo, anos depois. Por exemplo, Sócrates (469-399 a.C.) e Platão (427-347 a.C.) acreditavam nos conceitos de imortalidade da alma e no monoteísmo. Epicuro (341-270 a.C.) pregava o desapego aos bens materiais, declarando que "amar o dinheiro ganho de forma injusta é errado, e amar o dinheiro ganho honestamente é vergonhoso" (conferir I Tm 6:10). Os estóicos  iniciaram o conceito de predestinação (conferir Rm 11) e diziam também que "tudo no universo coopera para um bem comum" (conferir Rm 8:28).

Prática Penal Romana

A leis romanas não exerciam a detenção como punição, mas somente durante o período em que o réu aguardava o julgamento. Delitos menores resultavam em multas ou açoites e para delitos maiores o condenado era levado ao exílio ou a trabalhar em minas e pedreiras. Vários tipos de crimes, desde calúnia ao assassinato, levavam o criminoso à pena de morte.

Cidadãos romanos tinham vários benefícios penais, dentre eles o de não receber punição física de nenhuma espécie antes de ser julgado. Paulo reclama com os carcereiros quando foi preso: "Açoitaram-nos publicamente e, sem sermos condenados, sendo homens romanos(...)" (At. 16:37). As autoridades ao ouvirem isso, ficaram com muito medo, pois tinham violado a lei romana. Mais tarde, em outra situação de prisão, enquanto Paulo aguardava julgamento (At. 28:16), ele não ficou numa cela solitária acorrentado, como muitos que gostam de "aumentar" os sofrimentos do apóstolo acreditam. Ele ficava em uma prisão domiciliar, vivendo normalmente sob vigilância, pregando o evangelho e recebendo visitas.


Cristianismo e os cultos mistérios

Entre os cultos religiosos greco-romanos do primeiro século estão os cultos secretos, repletos de rituais obscuros onde somente os iniciados podiam participar. O culto ao deus Mitra, por exemplo, consistia em reuniões fechadas a homens, normalmente em cavernas, onde o iniciante, convidado pelos demais, passava por um ritual de iniciação em que era banhado com sangue de touro e participava de uma refeição comunitária.

Imagem de Mitra
degolando um touro

Muitos dos participantes destes cultos foram atraídos pelo cristianismo, pois os ritos cristãos tinham semelhanças com os ritos a Mitra. O batismo cristão seria uma "iniciação" e as verdades reveladas do evangelho eram "mistérios", compreendidos somente pelos iniciados. O partir do pão também era uma prática comum nas reuniões em ambas as crenças. As igrejas antigas possuem criptas subterrâneas que evocam os templos mitraícos. A fraternidade e o espírito democrático das primeiras comunidades cristãs se assemelham muito ao mitraísmo 

 

Templo mitraico

Não se sabe exatamente o quanto o mitraísmo influenciou os primeiros cristãos e o quanto os primeiros cristãos se aproveitaram destas semelhanças para aumentar a aceitabilidade do evangelho pelos pagãos. Paulo, por exemplo, utilizou uma linguagem e alegorias comuns aos praticantes do mitraísmo, como o termo grego misterion, usado 20 vezes por ele na Bíblia, para se referir aos "mistérios de Cristo" (p. ex. I Co 15:51). Porém, a origem do termo, na época, remetia diretamente a estes cultos secretos pagãos.


Origem do Batismo

Antes de Cristo, muitos gentios (não-judeus) simpatizavam com a fé judaica e se convertiam a esta religião. Para tal, as mulheres gentias deveriam passar por um banho inicial chamado miqva'ot que pode ter dado origem ao ritual cristão do batismo. Os homens, por sua vez, precisavam se circuncidar, o que gerava uma certa repulsa. O cristianismo, mais tarde, tornou-se uma opção mais favorável para que estes gentios pudessem adorar ao Deus verdadeiro sem passar pela cirurgia (que não tinha anestesia!).


Desenho de peixe como símbolo cristão

Símbolo do peixe no marco
 das portas dos cirstãos

No tempo em que o Império Romano começou a perseguir os cristãos com mais violência (época de Calígula e Nero), o desenho de um peixe era frequentemente usado como um código secreto, no marco da porta, para indicar que naquela casa haviam cristãos. No grego, a palavra peixe era pronunciada como ictus , sendo soletrada com as letras jota, chi, teta, ipsilon e sigma, que eram usadas como acróstico para Jesus Cristos Teo Uios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador).

Considerações finais

Analisando as questões e curiosidades citadas, conclui-se que um estudo aprofundado acerca da história e cultura do primeiro século é fundamental para entender o que aconteceu realmente naquela época. O fato de a filosofia grega e o mitraísmo terem influenciado os primeiros cristãos nos mostra que a revelação da verdade divina é multicultural.

Qual a sua opinião sobre esses assuntos? Deixe seu comentário abaixo!

Obs: muitos tem me perguntado onde encontram este livro. Infelizmente ele está esgotado no Brasil.

domingo, 5 de agosto de 2012

Deuses americanos

Título original: American Gods
Autor: Neil Gaiman


"— Assim, como todos vocês tiveram oportunidade de descobrir sozinhos, existem novos deuses crescendo nos Estados Unidos, apoiando-se em laços cada vez maiores de crenças: deuses de cartão de crédito e de autoestrada, de internet e de telefone, de rádio, de hospital e de televisão, deuses de plástico, de bipe e de néon. Deuses orgulhosos, gordos e tolos, inchados por sua própria novidade e por sua própria importância. Eles sabem da nossa existência e tem medo de nós, e nos odeiam — disse Odin."
Extraído de Deuses americanos




Em Deuses americanos, Neil Gaiman traz para os dias atuais todas as mitologias e histórias religiosas antigas, de diversos povos, de diversas épocas diferentes, unidas em uma trama complexa, surreal, introspectiva e alucinógena. O universo mitológico clássico é confrontado com a moderna filosofia de vida norte-americana, que reverencia novas formas de satisfação do ego, como o dinheiro e a mídia.

Sua narrativa é sem pressa, até lenta demais no início, apresentando situações aparentemente desnecessárias, mas que no final do livro são explicadas e se encaixam perfeitamente com o todo da obra, sem deixar pontas soltas. O autor consegue magistralmente contar a história utilizando uma linguagem que é ao mesmo tempo moderna, lírica e poética, com gírias, frases de efeito sensacionais, situações fortes de sexo e violência e também explorando o surrealismo dos contos mitológicas. Não foi em vão que o livro recebeu o prêmio Hugo de melhor livro em 2002.

A história se passa nos Estados Unidos dos dias atuais e fala sobre um homem comum, que acaba de sair da prisão. Sem esperanças sobre o que fazer da vida, conhece incidentalmente uma série de pessoas com quem passa a viver uma vida repleta de acontecimentos estranhos e sobrenaturais.

A partir daí, a trama se desenvolve de forma épica, levando o leitor a um embate entre os deuses antigos, outrora grandes e poderosos, porém hoje fracos e esquecidos, contra os deuses novos, fortes e muito reverenciados, que são os "deuses de cartão de crédito e de autoestrada, de internet e de telefone, de rádio, de hospital e de televisão". Enfim, é uma viagem mitológica bizarra e uma sutil reflexão sobre as idolatrias que o mundo moderno - capitalista e consumista - tem praticado. A narrativa na atualidade é transpassada por flashbacks interessantes pela história da América e sua relação com toda esta complexidade espiritual na região.

Sobre sacrifícios

O livro trata da questão do sacrifício a deuses de diversas formas diferentes, desde sangue humano ou de animais, até de dinheiro e de tempo. Por exemplo, na trama, o deus nórdico Odin se fortalece com o sangue derramado nas guerras.
Além do sangue, o sacrifício de dinheiro alimenta o deus do consumismo nos dias atuais. Multidões vão diariamente aos templos do capitalismo (Shopping Centers, Cassinos, etc.), para oferecerem suas oferendas em troca de futilidades ou de ostentação. Estas ofertas, por sua vez, são encaminhadas pelos sacerdotes (funcionários e empresários) para os altares sagrados (Bancos e Bolsa de Valores).

Já o sacrifício de tempo alimenta o moderno deus chamado Mídia. Para explicar melhor isto, cito um trecho do livro, onde o protagonista, assistindo a televisão, é confrontado pela atriz de um seriado, que o chama de "dentro" da TV:

"— Quem é você? — perguntou Shadow.
— Tudo bem. Boa pergunta. Eu sou a caixa dos idiotas. Sou a TV. Eu sou o olho que vê tudo e sou o mundo do raio catódico. Eu sou o tubo dos tolos... o pequeno altar na frente do qual a família se reúne pra adorar.
— Você é a televisão? Ou é alguém na televisão?
— A TV é o altar. Eu sou aquilo pelo que as pessoas se sacrificam.
— Como se sacrificam? — perguntou Shadow.
— O tempo que têm — disse Lucy. — Às vezes, umas às outras. Ela levantou os dois indicadores e soprou a fumaça de revólveres imaginários das pontas dos dedos. Então piscou um olho, aquela piscadela famosa e adorada de I Love Lucy.
— Você é uma deusa?
Lucy deu um sorriso forçado e uma tragada de dama no cigarro.
— Posso dizer que sim."

E você, qual a sua opinião sobre este assunto? Já leu o livro? Gostou? Se não leu, o que acha sobre deuses, sacrifícios e deuses modernos, como o Consumismo e a Mídia? Comente abaixo e acrescente conhecimento útil a este artigo. Obrigado!

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