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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O que é arte?

Título Original: Что такое искусство?
Autor: Leon Tolstói

"Todos os artistas, público e críticos, com pouquíssimas exceções, nunca experimentaram - salvo na infância e na juventude - aquele sentimento singelo, conhecido do homem mais simples e mesmo das crianças, de ser contagiado pelos sentimentos de outrem, algo que faz com que nos alegremos com a alegria do outro, soframos com seu sofrimento e misturemos nossas alma à dele, e que constitui a essência da arte."

O que é arte? Só mesmo um gênio da literatura como Leon Tolstói poderia responder a esta pergunta com um impressionante equilíbrio entre simplicidade e profundidade. Longe de ser mais uma teoria sobre estética, Tolstói vai muito além e disserta sobre a matéria-prima da arte verdadeira: o sentimento do artista. Para isso, o autor de Guerra e Paz nos leva desde as manifestações artísticas dos povos antigos até o final do século XIX, momento em que a arte se transformou em entretenimentos comerciais sem profundidade emocional - mesmo as obras esteticamente perfeitas.

No início do livro, o autor mostra como a arte da antiguidade estava ligada à necessidade do povo de transmitir sentimentos elevados, que circunstancialmente para a época, era o sentimento religioso. Ele se refere aos Salmos, Hinos Védicos, A Odisséia, etc. Porém, "a descrença das altas classes do mundo europeu no final da Idade Média criou uma situação em que a atividade artística foi substituída por uma outra cujo objetivo era proporcionar o maior prazer para um certo grupo de pessoas". A partir deste momento na História, a arte torna-se mera distração a ser consumida por uma classe nobre, ávida por pagar fortunas pelas mais supérfulas distrações. Ou seja, a arte passou de transmissão de sentimento para uma fonte de prazer.

"(...) essas pessoas não só não conseguem distinguir a arte verdadeira das falsificações, mas sempre confundem o que há de pior e mais falso com arte genuína, sem notar a genuína porque as falsificações são sempre mais chamativas, enquanto a arte verdadeira é modesta."

Diante deste cenário, Tolstói vai criticar duramente o papel dos artistas de seu tempo, colocando-os como talentosos falsificadores da arte, que sabem muito bem recortar e colar de suas referências anteriores para criar novos divertimentos vazios. Isso porque é impossível que a demanda por divertimentos consiga extrair sentimentos espontâneos da experiência de vida do artista, que segundo o autor, é o fator que faz uma arte ser verdadeira. Tolstói vai enfatizar isso durante todo o livro: que a verdadeira arte é aquela que surge da necessidade que um homem comum tem de transmitir - através de algum talento - um sentimento que tenha experimentado em sua vida, a fim de contagiar os espectadores para que estes sintam a mesma experiência vivida pelo artista. "As palavras são a comunicação de conhecimento, enquanto a arte é a comunicação de sentimentos", diz o escritor.

Sendo assim, o gênio da literatura russa condena a produção comercial em série da arte, pois isso prejudica a sensibilidade artística do público, que acaba ficando acostumado com uma arte falsa. Apesar de ter sido escrito a mais de cem anos atrás, esta obra nunca foi tão atual diante da imensa quantidade de lixo artístico que infestam a TV, os palcos e os cinemas dos dias de hoje. Arte artificial, fabricada com o único intuito de dar lucro.

"Quando a arte se tornou uma profissão, sua maior e mais preciosa propriedade - a sinceridade - tornou-se enfraquecida e foi parcialmente destruída."


Seguindo esta linha, Tolstói vai exaltar alguns contos e quadros de camponeses desconhecidos, enquanto critica algumas obras de famosos - como Beethoven e Goethe - como sendo artificiais. Ele chega a criticar até mesmo suas próprias obras. Para ele, a arte tem um papel muito mais elevado do que dar prazer a uma elite entediada: a arte é o caminho para a unificação e paz entre os povos. Assim, este livro resgata a essência do ser humano, aquelas sensações sinceras e experiências intensas que somente as crianças e os cidadãos comuns experimentam... sensações essas que são a verdadeira matéria-prima da arte que toca o público e coloca a Humanidade em um caminho de unidade através desta comunicação de sentimentos.

Em resumo, O que é arte? não é um livro que serve para alimentar o ego de intelectuais com teorias bonitas, para que impressionem em textos, críticas e aulas. A obra de Tolstói é uma riquíssima - porém incômoda - reflexão sobre o papel da arte como catalisador do bem comum entre os homens, através da comunicação por sentimentos. E infelizmente, esta necessidade de comunicar sentimentos vem sendo substituída com entretenimentos vazios, gerando assim uma sociedade fria, robótica, depressiva e carente emocionalmente.
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E você, o que pensa sobre esta polêmica visão de Tolstói? Concorda? Discorda? Deixe o seu comentário!

2 comentários:

  1. "Quando a arte se tornou uma profissão, sua maior e mais preciosa propriedade - a sinceridade - tornou-se enfraquecida e foi parcialmente destruída."

    A transcrição talvez possa representar a ideia central da obra. Crítica atualíssima e que, nos dias presentes, envolve também a comercialização feroz, bloqueadora da criação autêntica e da livre exposição ao público.

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    Respostas
    1. Fato! Há muito o que se repensar sobre o financiamento e distribuição de arte nos dias de hoje... um grande desafio!

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